sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Talento Radical (entrevista de 2004)

por Cristina Zahar | fotos Paschoal Rodriguez

Gabriel Braga Nunes deixa o papel de vilão de lado e volta à TV vivendo um jornalista nos anos 60. Ex-roqueiro e ex-poeta, ele mostra por que é um cara bacana também na vida real.

Aproveite a foto ao lado para admirar os sedutores olhos azuis de Gabriel Braga Nunes. Por um tempo, eles estarão escondidos por lentes de contato castanhas por conta de seu personagem em Senhora do Destino, da Globo. Depois de interpretar sete vilões em novelas, dessa vez Gabriel encara o mocinho: um jornalista que luta contra a ditadura militar, em 1968. "Queria muito fazer um personagem justo, idealista", diz, com os olhos brilhando.
Esse entusiasmo permeia tudo o que Gabriel faz. Aos 32 anos, 11 de carreira, o filho da atriz Regina Braga e do diretor teatral Celso Nunes vive sua melhor fase. Além da novela, está em cartaz no Rio de Janeiro com a peça K2, que produziu e na qual é dirigido pelo pai. Na vida pessoal, depois de dois anos de solteirice, está namorando a atriz Flavia Monteiro. "Estamos felizes", resume o paulistano que adotou o Rio há cinco anos.
Sua estréia no palco foi em 1990, na peça Bilitis. "Comecei como operador de luz, até ganhar cenas como ator", lembra ele, que é formado em artes cênicas pela Unicamp e cursou teatro em Londres. O primeiro trabalho na TV - em Razão de Viver, no SBT - só viria seis anos depois. "Tinha preconceito com TV", admite. "Hoje gosto muito."
Do passado, quando tocava guitarra em bares de São Paulo, Gabriel guarda o amor à música. "Também gosto de tocar violão e cantar. São atividades que um dia vou retomar." Discreto, deixa escapar que se dá bem com as namoradas depois que tudo termina. "Acredito na transformação do afeto", filosofa.


O que você acha do jornalista Dirceu?
Ele luta pela liberdade de expressão, em 1968, durante a ditadura. Não chega a ingressar na luta armada, mas passa por tudo que os jornalistas passaram. Acho bom falar disso. Já temos uma distância crítica em relação à época e ao mesmo tempo as pessoas ainda estão aí, são nossos pais.

Depois dos vilões, esse papel é um desafio?
Sim. De oito novelas, fiz sete personagens com desvios de caráter, como o Olavinho, de Anjo Mau, e o Victor, de O Beijo do Vampiro. Meu desafio agora é interpretar um personagem bom. E o Dirceu é assim: ético, sonhador, idealista.

Como se preparou para o personagem?
Ouvindo histórias do período. No set de gravação, conversei muito com o Jonas Bloch. Meu pai e minha mãe também sofreram com a repressão. Me lembro de um espetáculo deles, A Patética, que contava a história do jornalista Vladimir Herzog (torturado e morto em 1975). Minha mãe atuava na peça e meu pai foi ameaçado por ser o diretor.

Você sofreu com a separação de seus pais?
Eu e minha irmã Nina (fisioterapeuta, um ano e meio mais nova do que ele) éramos crianças. Lembro que gostávamos porque tínhamos duas casas. Tive uma relação próxima com minha mãe, pois morei com ela. Mas me dou bem com meu pai, que vive em Florianópolis e atua como diretor teatral.

E sua relação com o Drausio Varella (autor de Estação Carandiru), seu padrasto?
Eu o conheci aos 10 anos. Cresci sob sua influência. é um grande amigo. Meu pai sempre foi bastante presente. Mas é inevitável que minha relação com o Drausio tenha tido muito de pai e filho. Gosto dele e considero suas filhas (Letícia, médica, e Mariana, socióloga) minhas irmãs.

Trabalhar com seu pai em K2 foi bom?
é minha estréia como produtor. Conta a história de dois alpinistas que sofrem um acidente no alto da K2, a segunda montanha mais alta do mundo. é o primeiro trabalho que faço com meu pai, que dirige a peça. O teatro faz com que você conheça a fundo uma pessoa. Nesse sentido foi revelador.

Como se relaciona com sua mãe?
Meu pai e minha mãe participam de minhas escolhas profissionais. Eu sempre os consulto, confio neles. Quando trabalhei com ela na peça À Margem da Vida, descobri uma mulher que não conhecia. Ela fazia uma mãe repressora, e eu, o filho poeta. Havia muito atrito no palco, nós berrávamos um com o outro. Às vezes, eu pensava: "Deus, quem é essa mulher?" Nunca a tinha visto assim.

Do que gosta mais: teatro, TV ou cinema?
Meu conceito de ser ator está intimamente ligado ao teatro. Meus pais trabalharam a vida inteira nele. Foi isso que despertou meu interesse pela profissão. Só experimentei TV depois de três anos de formado. Antes tinha muito preconceito. Hoje, gosto muito. No cinema, só fiz três filmes: Mater Dei, Chatô e Carandiru. O teatro é minha prioridade total.

Qual sua opinião sobre Chatô (filme dirigido por Guilherme Fontes, que se arrasta desde 1999)?
Não falo sobre isso porque não participei da produção. Fui convidado apenas para interpretar o papel de Rosemberg, que cumpre a função de três personagens reais, os jornalistas Samuel Wainer, Carlos Lacerda e Roberto Marinho.

Se não fosse ator, o que seria?
Como já fui roqueiro e até toquei em barzinhos com as minhas bandas, seria músico. Gosto de tocar e cantar. São atividades que me deixam feliz e que um dia ainda vou retomar.

Você ainda escreve poemas?
Escrevi muito na adolescência, não só poemas mas também música, por causa das bandas. Gostava de me trancar no quarto para tocar violão, escrever, desenhar. Quando virei ator, abandonei essas coisas. Ser ator me ajudou muito, eu melhorei socialmente: era tímido e não sou mais, era gago e não sou mais. Saí da toca, aprendi a me colocar, a ter opinião.

A beleza ajuda na hora de ser escalado?
Ajuda nos veículos que lidam com imagem, como TV, cinema e publicidade. No teatro, não é tão importante - a presença e a ação contam mais. Às vezes queria ter um tipo mais comum, mas não reclamo. Gosto quando elogiam meus olhos azuis. (risos.)

E sua vida amorosa...
Estou namorando a atriz Flavia Monteiro. Cada um tem a sua casa e estamos muito bem

Como é a relação ideal para você?
O casamento no modelo que nossos avós adotavam ruiu. Nele, é o homem que traz dinheiro para casa e a mulher toma conta do lar... Isso não funciona mais. Hoje os casais discutem bem mais os papéis, o que acho muito bom.

Você morou com três namoradas. Como foi e como se dá com elas hoje?
Sou muito dedicado às minhas namoradas, até demais. (risos.) A primeira com quem morei foi a roqueira e atriz Eliete Mejorado. Foi por causa dela que decidi ser ator. A Eli estudava teatro em Campinas, quando mudei para lá. Depois vivi com a atriz e empresária Gabriela Diamante e a atriz Karine Carvalho, com quem fiquei por três anos. Sou amigo de todas. Acredito na transformação do afeto.

Que tipo de mulher você admira?
A mulher que é feliz pessoal e profissionalmente. Isso faz com que ela não se importe se está um pouco mais gorda, se precisa de silicone. Beleza tem a ver com realização. Uma mulher insatisfeita fica feia.

Você faz esporte? é vaidoso?
Gosto de musculação. De correr também, pois ajuda a baixar a ansiedade. Faço esporte para me manter saudável, mais do que para ficar bonito. Mas, se de brinde eu fico bonito, ótimo... (risos.)

E a alimentação?
Evito frituras e açúcar, principalmente à noite. Percebi que minha insônia estava ligada a isso. Adotei o hábito de comer pouco, de três em três horas. Perdi 10 kg no último ano, pois estava acima do peso. Mas a verdade é que não confio na corda em que me penduro na peça. (risos.)

Cuida da pele, do cabelo?
Não ligo muito, mas o meu cabeleireiro me recomendou um xampu novo, de Paul Mitchell. Ele me disse que o que eu usava era bom só para o cachorro e olha que nem tenho cachorro... (risos.) Minha mãe me dá alguns cremes para o rosto, mas esqueço de usar e eles perdem a validade.

O que gosta de vestir?
Mais do que por grifes e estilistas, escolho as roupas pelo conforto. Curto terno, mas uso pouco. No dia-a-dia, uso jeans, camiseta e tênis. No Rio, prefiro bermuda.

Como foi trocar São Paulo pelo Rio?
Gosto muito de São Paulo, é onde o trabalho acontece, mas desde que me mudei para o Rio, há cinco anos, não parei de ter bons convites. Adoro o Rio, me acostumei com a cidade, a natureza. Quando vou para São Paulo, estranho a poluição. Mas é a minha cidade, um dia volto a morar lá. O bacana é que, como é uma cidade feia e agressiva, as pessoas desenvolvem formas originais de viver nela.

Se sente realizado?
Até agora, sim. Tudo o que fiz, fiz bem. Vejo pelo sorriso dos meus amigos quando algo deu certo. Daí fico feliz por mim, porque se eles estão felizes é porque devo ser um cara legal.

Fonte:Elle